sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

sábado, 14 de janeiro de 2017

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O relho neoliberal


A decepção


Duas amigas minhas - eu era o amigo comum delas, uma só sabia da outra através de mim - resolveram se separar de seus maridos na mesma época, coincidentemente. Uma delas já havia tomado a decisão, todos sabíamos. A outra, a quem eu era mais chegado, resoluta, mas ainda mantinha o segredo. Num agradável final de tarde, me deparei com esta numa papelaria e de longe me fez um sinal que queria conversar comigo. Sentamos para tomar água e café com biscoito. Logo notei que em seu rosto havia marcas incomuns de preocupação, senti que queria me confidenciar alguma coisa especial. Primeiro, me sondou (isso, só conclui depois) e conversamos sobre a separação da outra, queria saber o que eu achava. Disse-lhe que poderia ser mais discreta e cuidadosa com o marido,  também meu amigo, que ainda nem era ex e já se exibia inconsequente pra cima e pra baixo com o novo namorado. Qual era a dela, queria ser locomotiva? E por aí foi a minha parcial, passional, conservadora, medíocre e inadvertida argumentação. As minhas expressões, com razão, soaram-lhe duras e foi então que me advertiu que eu estava tomando partido de gênero. Aquilo me pegou de surpresa, fiquei pensativo, embora ainda contestasse que não se tratava disso. Mentira! Mudamos de assunto, sentindo que ela tinha razão, afinal o marido da outra, embora meu amigo, não era lá um exemplo de fidelidade e companheirismo. Agora era tarde. Ela se despediu – senti claramente a sua decepção – desistindo de me confidenciar qualquer coisa. Fui pra casa remoendo a minha dor. Alguns dias depois, soube de sua separação. Triste, me coloquei em seu lugar naquele dia em que conversamos e, como se fosse ela, escrevi esse poema.

sábado, 7 de janeiro de 2017

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Homenagem à Simone de Beauvoir



A fogueira


Esse poema tem uma historinha. Em 2003, tardiamente, eu concluía o curso de direito. Meus colegas mais próximos eram todos provenientes do interior, gente de convívio simples e conversa amena. Um deles, com quem eu mais afinava, tinha oito anos menos do que eu, mesmo assim bem mais velho do que a média da turma. Assim como eu, ele era casado. Clássico e ousado paquerador, um dia me anunciou que estava namorando. Ri, preveni que ele ia se apaixonar e apartar em banda, o que era muito provável porque nossas colegas eram muito jovens, espertas e lindinhas. Seguro de si, ele me contestou, “deixe comigo, Caiado”. Era com essa ironia – por eu defender ideias de esquerda, em alusão ao político da bancada ruralista de direita, Ronaldo Caiado – que ele me chamava. No final do ano, nos graduamos e acabamos nos perdendo de vista. Só três anos depois é que nos encontramos casualmente. Aproveitamos para tomar uma cervejinha e botar a conversa em dia. Ele parecia mais triste. O som do bar tocou uma música que o fez parecer mais ainda e me disse que era a trilha sonora de seu namoro, “aquele do curso de direito”, me refrescou a memória, e me confessou, se esforçando para esconder a tristeza, que o casamento e o namoro haviam acabado, um logo em seguida do outro. Como eu previa, ele se apaixonara e me disse que já não sabia mais o que fazer. “Bem que você avisou, apartei em banda. Já viajei pra casa do caralho, pro cú do mundo, Caiado, e não esqueço...”
Sorri compassivo, ele levantou-se e foi ao banheiro. Ao voltar, pediu a conta, conversamos mais um pouco e nos despedimos.